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A ESTÉTICA DE ANTÔNIA

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Esses dias me deparei com “Antônia” de Tata Amaral, juro que ainda quebro as barreiras do meu “pré-conceito” com filmes que levam a assinatura da Globo Filmes. “Antônia” sempre pareceu gritar nas prateleiras das vídeolocadoras e eu sempre procurei ignorar o seu grito. Mas como nenhum outro tipo de “opção” me ocorreu, resgatei “Antônia” e fui atacado por um musical belamente dirigido e produzido, como uma canção que ecoa como poesia para os sentidos. Lembrei-me de Glauber Rocha e sua estética da fome e descobri que deixar levar por seus preconceitos é vergonhoso.

(..) Nós compreendemos esta fome que o europeu e o brasileiro na maioria não entendeu. Para o europeu, é um estranho surrealismo tropical. Para o brasileiro, é uma vergonha nacional. Ele não come, mas tem vergonha de dizer isto; e sobretudo, não sabe de onde vem esta fome. Sabemos nós - que fizemos estes filmes feios e tristes, estes filmes gritados e desesperados onde nem sempre a razão falou mais alto, - que a fome não era curada pelos planejamentos de gabinete e que os remendos do tecnicolor não escondem, mais agravam os seus tumores. (..) (ROCHA, Glauber. Uma estética da Fome)

Não dá para negar que o inicio de “Antônia” chega a lembrar vagamente a premissa do horrível “Dreamgirls” Em Busca de um sonho”, inclusive cheguei a me perguntar depois se isso tudo não era proposital. Em partes, porque “Antônia” de forma simples deixa “Dreamgirls” no chão, deixando claro que nenhum tipo de glamour hollywoodiano cantando historinhas tristes arrebate o coração daquele que escancara a realidade na sua frente.
“Antonia” conta a história de Preta (Negra Li), Barbarah (Leila Moreno), Lena (Cindy) e Mayah (Quelynah) onde desde pequenas sonham em viver da música. Descobertas por um empresário começam a se apresentar em pequenos eventos. Com a câmera sempre em movimento e a edição em cortes secos, “Antônia” ganha um estilo muito parecido com o documentário, escrito também por Tata Amaral ao lado de Roberto Moreira a trama se desenvolve no relacionamento entre as quatro mulheres e suas dificuldades.
Lutando avassaladoramente para conquistar a ascensão profissional, o grupo musical que dá nome ao filme, precisam se desvencilhar da miséria e da violência e da própria realidade sufocante. Com uma direção de fotografia muito bem trabalhada, o fotógrafo Jacob Solitrenik representa fielmente o sentimento de “Antônia” mergulhando a câmera nos inclinados caminhos do morro, onde o sonho está na paisagem fora daquele retalho social, no embaçado e granulado céu, o que revela a estética do cinema nacional, o estranho surrealismo tropical que nos dizia Glauber Rocha.
Não dá para não falar do elenco criado por Sérgio Penna, das quatro jovens cria com naturalidade incrível, o valor documental de “Antônia”. Curioso também é o trabalho das atrizes que em certo momento percebem até a presença da câmera revelando ao público a proposta do documentário. Até o empresário Diamante (Thaíde) divertidíssimo, mostrou-se um ótimo ator.

(...) já passou o tempo em que o Cinema Novo precisava processar-se para que se explique, à medida que nossa realidade seja mais discernível à luz de pensamentos que não estejam debilitados ou delirantes pela fome. O Cinema Novo não pode desenvolver-se efetivamente enquanto permanecer marginal ao processo econômico e cultural do continente Latino-Americano; além do mais, porque o Cinema Novo é um fenômeno dos povos novos e não uma entidade privilegiada do Brasil: onde houver um cineasta disposto a filmar a verdade, e a enfrentar os padrões hipócritas e policialescos da censura intelectual, aí haverá um germe vivo do Cinema Novo. Onde houver um cineasta disposto a enfrentar o comercialismo, a exploração, a pornografia, o tecnicismo, aí haverá um germe do Cinema Novo. Onde houver um cineasta, de qualquer idade ou de qualquer procedência, pronto a pôr seu cinema e as sua profissão a serviço das causas importantes do seu tempo, aí o haverá um germe do Cinema Novo. A definição é esta e por esta definição o Cinema Novo se marginaliza da indústria porque o compromisso do Cinema Industrial é com a mentira e com a exploração. A integração econômica e industrial do Cinema Novo depende da liberdade da América Latina. Para esta liberdade, o Cinema Novo empenha-se, em nome de si próprio, de seus mais próximos e dispersos integrantes, dos mais burros aos mais talentosos, dos mais fracos aos mais fortes. É uma questão moral que se refletirá nos filmes, no tempo de filmar um homem ou uma casa, no detalhe que observar, na moral que pregar: não é um filme mas um conjunto de filmes em evolução que dará, por fim, ao público a consciência de sua própria miséria. (...) (ROCHA, Glauber. A Estética da Fome).


“Antônia” revelou-se mais uma obra prima do cinema nacional, como proposta do consumo já dito por Glauber Rocha, estamos num patamar em que o cinema estrangeiro nos vê como discussão social e um surrealismo cult, o que é um pouco vergonhoso quando nós, brasileiros, vemos tudo isso como apenas uma vergonha nacional.


UMA DAS CURIOSIDADES DO CINEMA VERDADE

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O cinema verdade já carregou décadas de polêmicas e de certa forma décadas de questionamentos sobre sua verdade, mas pelo jeito até os tempos de hoje ele tem mostrado sua presença no meio do entretenimento.
Alguns dias atrás acabei descobrindo que a banda Snow Patrol em seu clipe “Open your Eyes”, o qual vemos a subjetiva de um carro correndo em alta velocidade por Paris, em apenas uma cena, sem cortes, até que ele pára, o motorista do carro desce e abraça uma garota que o está esperando, é uma cena de 1976 e do cinema verdade.
O cinema verdade surgiu no final dos anos 50 e refere-se na teoria e prática, a um gênero de documentário que se empenha em captar,l sem fins didáticos ou de ilustração histórica, a realidade tal e qual ela é, o que procura reproduzir aquilo que na realidade acontece. É um cinema do real que, admitindo um certo grau de subjetividade enquanto forma de expressão.
O videoclipe de “Open your Eyes” do Snow Patrol é todo de um curta metragem de Claude Lelouche de 1976 chamado “C´était um rendezvous” (Foi um encontro). A seqüência hoje recebe da minha visão outra expressão, o que antes era meramente original, agora demonstra ser uma brincadeira ou homenagem, de repente até um protesto a um movimento de 30 e poucos anos atrás. Ainda mais a saber que Claude Lelouche amarrou a câmera de 35mm (o que não chega ser nem um pouco pequeno como as digitais de hoje) na frente de uma Mercedez e por não ter permissão para rodar em todas aquelas ruas de Paris, fez isso as 5 da manhã atravessando sinal vermelho, ao redor do “Arco do Triunfo”, Champs-Élysées, na contra-mão, sobre calçadas e a 180 Km/h. O único truque no filme foi substituir o som da Mercedez por de uma Ferrari para dar mais efeito. No final do passeio, toda a aventura se revela como a pressa do amante para encontrar a amada. Depois da primeira projeção do curta, Lelouch foi preso por botar em risco a segurança pública. Graças ao cinema verdade.


AGORA: SOBRE TRILHAS

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Alguns dias atrás “zapeando” por alguns canais da TV, me deparei com o filme O Senhor dos Anéis e a Sociedade do Anel, bem a uma cena em que soava uma trilha, e em especial desse filme, que desde o primeiro momento que a escutei sempre me deixou com o espírito animado. Depois disso pensei em como poderia compartilhar com as pessoas sobre a música no cinema, o que em grande parte colabora e muito para o sucesso de um filme. Dessa necessidade, no espaço dessa coluna, vou compartilhar os score tracks com vocês, e tenho certeza que de alguma forma ou outra a sua consciência vai se interligar a um mundo em que não é apenas o fato de escutar uma boa música, ou apenas uma nova forma de sentir o filme. Encontrar boas trilhas sonoras e escutá-las é uma se conectar a uma expressão única e especial. Basta sentir, afinal sair dessa realidade e entrar num mundo imagético de poesia musical é incrivelmente catártico. 1 – O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel. Desde que Peter Jackson anunciou que filmaria O Senhor dos Anéis, muitos comentários surgiram sobre quem teria condições de criar as músicas da Terra Média. Os prediletos como Jerry Goldsmith, John Williams e até mesmo James Horner que já compôs fantasias como Krull e Willow. Mas como para quebrar o óbvio, Peter Jackson escolheu Howard Shore, o que foi uma surpresa. A capacidade do homem das trilhas sombrias e eletrônicas levou à dúvida sobre a sua competência em compor para grande orquestra. E o resultado foi a primeira parte da trilogia do Senhor dos Anéis. Dividido em 3 etapas, a trilha sonora na sua primeira parte é baseada em um lírico-celta que representa o condado dos Hobbits desenvolvido de forma criativa com flauta doce, cordas e strings que eleva plenamente o espírito. A outra parte representa os Espectros do Anel e começa a criar o tom de urgência e desespero da trama, baseado em orquestra e coral. A última parte retoma o lírico e emotivo e pode-se dizer que em certa parte amansa o ouvinte mais durão. Com participação da cantora Enya em duas faixas da trilha, harmoniosamente se integra a partitura. Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel pode ser considerado um dos melhores trabalhos de Howard Shore. Uma poesia emotiva e clássica e em certos pontos transcendente. Com alguns tons experimentais, o compositor deixa sua marca registrada e chega a questionar o fato de John Williams e Jerry Goldsmith conseguirem um trabalho único como esse. Merecedor e conquistador do Oscar de Melhor Trilha Sonora, Howard Shore encanta em sua primeira indicação. O motivo dessa minha primeira indicação sobre as trilhas vem de um acaso e também do fato de ser uma das melhores que aprecio. Agora: Sobre Trilhas é mais uma forma nesse espaço encantar, representar e discutir o cinema que é tão mais catártico quando você conversa com a sua musicalidade.