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MIGRAÇÃO ALADA

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Indicado ao Oscar de Melhor Documentário em 2003, Migração Alada teve a sua indicação metralhada pelo diretor Michael Moore por Tiros em Columbine e a poesia visual do diretor francês Jacques Perrin acabou migrando para alguns cinemas e logo as prateleiras de documentário das locadoras. O intento do filme não se resume apenas a isso, se resume nos diversos vôos e migrações que o filme realiza através do gênero documentário.
Jacques Perrin não assina a direção sozinho. Jacques Cluzaud, Michael Debats, Francês Roux e Guy Jarry também testemunham uma grande variedade de pássaros durante sua migração que atravessam 40 países e 7 continentes. Para estabelecer as inserções dessa migração, através de balões, planadores, helicópteros e aviões, uma equipe de 450 pessoas, 17 pilotos e 14 câmeras voam em frente, ao lado, abaixo, acima e atrás dos pássaros, a fim de construir um maravilhoso documentário visual.
Por mais que Migração Alada levante o questionamento da imagem-real e da imagem-ficção ao espectador, logo na abertura o filme trata de informar que as imagens foram captadas sem efeitos especiais, o argumento não serve como resposta, mas o próprio documentário convence o espectador de que a natureza precisa ser documentada de forma representar não como ela é, mas o que é. O efeito de deslumbramento constante é o que busca o filme, sem perder sua narrativa direta, o documentário revela o mundo natural para o olhar do espectador, mostrando a beleza que o próprio homem-espectador desconhece, razão essa que Migração Alada inicia o filme com a interação de uma criança com os pássaros, o lidar da inocência com um mundo novo e deslumbrante, um espectador que se maravilha com a primeira luz, as primeiras descobertas e as primeiras lições.
A ausência do narrador onipresente (técnica comum utilizada em documentários) faz com que o próprio espectador se interesse pela narrativa escolhida e interaja com maior força com o filme. O próprio Perrin e seus co-diretores não queriam deixar uma hora e meia de pássaros voando na tela, por isso o argumento da migração para criar uma dramatização no documentário que começa num ponto de partida: o deslocamento dos pássaros para o Norte na estação da Primavera e a promessa da volta, a migração na estação do Outono. A narrativa se torna um círculo, e a linguagem se torna claramente dramática, caso que é representado no início quando a criança retira das redes um pássaro preso, e esse ao levantar vôo, leva consigo um pedaço da rede presa à pata e é reconhecido em outros momentos do filme por estar trazendo de volta o mesmo resquício da rede.
A própria necessidade de tornar humano a relação e a vivência dos animais é um “golpe” aplicado para gerar a atenção do público e o filme acaba ganhando um interesse maior durante a narrativa, a necessidade do cinema documentário se tornar transparente, como o próprio estilo hollywoodiano. Cenas como o plano de uma arara azul que consegue libertar-se da gaiola, motivo por qual o espectador “torce” pela liberdade da ave; o macaco que “tristemente” desiste de lutar e com uma expressão “humana” demonstra seu fracasso. Tem-se também o pássaro com a asa quebrada que cercado por siris torna-se vítima indefesa, motivos que leva a ignorante inocência-espectador refletir e a se deslumbrar.
Migração Alada é um ótimo filme-documentário como forma de conhecimento e entretenimento, poucos ainda conseguem se reinventar de forma tão real ou tal como é. Muitos documentários ganham seus prêmios a fim de mostrar algo na história que já possui sua dramaticidade, difícil é criar um documentário que demonstre da natureza seu próprio drama e sua própria beleza.

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA

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Em um dia qualquer, em tal hora, em tal lugar, um homem no movimento de uma cidade grande aguarda o semáforo mudar para a cor verde, mas tal mudança não acontece, ele ficou cego.
Assim começa o magnífico livro “Ensaio sobre a cegueira” de José Saramago mais uma obra que seduz o cineasta Fernando Meirelles, que, sempre gostou de fazer adaptações literárias, grande diretor marcado por narrativas político-sociais que permeiam seu cinema, do divertido e engraçado “Domésticas”, o chocante e impactante “Cidade de Deus” e o primeiro “oscarizável” de suas obras, o fabuloso “O Jardineiro Fiel”. Assinado também por Don McKellar , a adaptação “Ensaio sobre a cegueira” busca representar mais uma discussão sobre o rumo de uma sociedade moderna e globalizada e o rumo que esta vem tomando. Este combate utópico mergulha em um mundo completamente atemporal e caótico, as placas dos carros são brasileiras, pessoas falam em inglês, o locutor de rádio em português. O espectador se depara com imagens de São Paulo, outras do Japão e até do Canadá, representados nesse novo mundo globalizado e pequeno, onde todos se conhecem e ao mesmo tempo distanciam-se da própria condição humana e aproximam-se do instinto básico animal.
“Ensaio sobre a cegueira” procura discutir o fato de que as pessoas antes de perderem a visão, já viviam completamente “cegas” perante o mundo em que vivem. Onde a cura para a tal “cegueira branca” só estaria na re- socialização da humanidade, no ato de reconhecer que dependemos dos outros e necessitamos enxergar o próximo. Para isso, é interessante a lógica que a narrativa busca retratar, assim como no livro, as pessoas não tem nome e são identificados apenas pelas profissões ou características mais marcantes, exemplos como “O médico”, “A mulher do médico” “O garoto estrábico”. E não é assim que definimos no nosso mundo as pessoas que nos cercam? As vezes de forma injusta e até pejorativa?
Meirelles conduz sua obra de forma inteligente, junto com seu elenco busca desenvolver com maestria os personagens criados por Saramago. Por exemplo a maravilhosa Juliane Moore, representa “A mulher do médico”, dona-de-casa entediada, com grande atuação Moore representa tal marasmo, com apenas um olhar distante e um simples gole de vinho, e ao longo da história “A mulher do médico” vai se tornando uma personagem mais complexa, ainda mais que ela vira peça fundamental não só da vida de seu marido como a de um grupo de pessoas. Assim como, Gael Garcia Bernal, “o Rei da Camarata 3” consegue se tornar asqueroso e cômico ao mesmo tempo, destaque para o momento em que imita o cantor Stevie Wonder.
O visual do filme também merece destaque. A direção de fotografia de César Charlone, investe numa câmera totalmente oscilante, planos que cortam os personagens e cenários pela metade. O ar de brancura e frieza existente em toda projeção colocando ou aproximando o espectador a própria “cegueira branca”.
“Ensaio sobre a cegueira” tem em todo seu aspecto fatores representativos, cenas que chocam e ao mesmo tempo nos comove pelo simples fato de estarmos inseridos no mesmo contexto do filme. Se estamos irritados pelo fato de que alguém atrapalha o seu filme por conversar, ou até mesmo alguém que passeia pelo cinema. De repente um estado de “cegueira branca” é necessária, se estamos em um mundo que nos coloca dependentes de qualquer um, não é cor, sexo, opção sexual ou condição social que nos afasta, é simplesmente a ignorância de um pano branco que paira sobre os olhos de uma sociedade que não quer ver que tolerância e amor é o melhor meio de seguirmos em frente, sempre juntos.

AMARELO CINEMA QUE PULSA

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Amarelo Manga, produção brasileira de 2003, do pernambucano Cláudio de Assis, particularmente, tem sido um dos filmes mais arrebatadores, chocantes e realistas já inventado ou produzido no cinema brasileiro. Difícil, é ver, e até mesmo falar de Amarelo Manga, ora por não querermos enfrentar a situação real da condição humana, ora por não aceitar que vivemos nesta real situação, na sociedade conturbada, doentia, mesquinha, dilacerada, pobre e contraditória como a do Brasil. Adjetivos que resumem a ideologia da desconcertante e incômoda obra de Cláudio de Assis.
Com um tributo à cidade de Recife, Amarelo Manga, explicita a situação da condição humana, através de histórias que se entrelaçam de forma inteligente e dinâmica fazendo o espectador se remoer e rever suas crenças, valores e opiniões que surgem durante a narrativa, através das atitudes das pessoas, nessa multifacetada discussão social.
Lígia (Leona Cavalli), mora e trabalha em um bar chamado Avenida, sua vida cotidiana se resume em acordar e já ir direto ao trabalho, todos os dias são iguais, até mesmo as reclamações. Sua relação com o próprio corpo não possui restrições, está sempre a mostra, celebra o corpo, mas o interdita a posse e não aceita as provocações feita por seus clientes do bar.
Isaac (Jonas Bloch) é um dinamarquês-brasileiro envolvido com o tráfico de drogas e está sempre a busca e negociando cadáveres para satisfazer um próprio fetiche, atirar em corpos em decomposição.
Kika (Dira Paes), uma evangélica que está sempre escondendo seu corpo e preocupada com comentários do próximo, acaba servindo de “chacota” para sua vizinhança, justamente por ser casada com um mulherengo que trabalha em um matadouro.
Wellington “O Kanibal” (Chico Diaz) é o marido mulherengo de Kika que trabalha no matadouro, possui uma amante para satisfazer seus desejos sexuais, relação que não possui com Kika.
Trabalhando e morando em um hotel, Dunga (Matheus Nachtergaele), é um homossexual, que deseja tanto no amor, quanto no sexo, o Kanibal. É capaz de fazer qualquer coisa para possuir mulherengo.
Esteticamente, o filme se apodera de uma linguagem visual que representa a relação social dos indivíduos criados a partir das possibilidades do mundo real. Amarelo Manga nos questiona se fazemos parte do mundo proposto, vivendo cada momento, mesmo que muito repugnante. Traição, religião, discussão de gênero, tudo se escancara frente à tela, como um tapa de mão cheia no rosto do espectador. Mesmo porque, o mais forte da obra está representado numa linguagem carnal, animal, sanguíneo seja qual for o sentido das suas significações. Personagens se inserem num círculo, numa dimensão, num cenário de desejo, que os tornam determinados a lutarem seja de qual forma for por sua ambição. Individualismo combativo marcado justamente pelo desejo, desejo da carne, do sangue, que serve de guia para a determinação. Personagens guiados pela paixão, que penetram, num plano de armadilhas e vinganças, de uma busca avassaladora pelo desejo e pela felicidade.
Amarelo Manga sempre se representa numa relação primitiva e individualista de cada personagem, através de uma filosofia trágica onde o homem transita como um animal degenerado que vaga sobre o pasto em direção a seu matadouro, com sua marca de sangue que o impede à felicidade e seu principal objetivo, o desejo.
O próprio diretor Cláudio Assis afirma: "quero fazer um cinema que mostre o povo, o seu lado mais marginal, o submundo. Não quero fazer filmes limpinhos nem filmar o sertão com gente bem vestida. O nosso povo não é assim".
Felizmente Amarelo Manga vem propondo ao cinema nacional, a característica da ideologia, a realidade e sua própria estética. Assim, os indivíduos são capazes de aprender, e até mesmo de entender e a aceitar a cultura, os costumes, as crenças,e que, a maldade, a contradição e a própria condição humana pode estar presente na vida de qualquer outro indivíduo que faça parte do universo.
Amarelo Manga, como foi dito é um filme difícil de se falar e de entender ou seja, de aceitar a própria realidade, que realmente vivemos na própria órbita de um amarelo manga, vivo e pulsante, quem sabe da cor do ouro, cor que reluzirá apenas no momento em que curarmos o amarelo das feridas purulentas, doentio e sarcástico.