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AMARELO CINEMA QUE PULSA
















Amarelo Manga, produção brasileira de 2003, do pernambucano Cláudio de Assis, particularmente, tem sido um dos filmes mais arrebatadores, chocantes e realistas já inventado ou produzido no cinema brasileiro. Difícil, é ver, e até mesmo falar de Amarelo Manga, ora por não querermos enfrentar a situação real da condição humana, ora por não aceitar que vivemos nesta real situação, na sociedade conturbada, doentia, mesquinha, dilacerada, pobre e contraditória como a do Brasil. Adjetivos que resumem a ideologia da desconcertante e incômoda obra de Cláudio de Assis.
Com um tributo à cidade de Recife, Amarelo Manga, explicita a situação da condição humana, através de histórias que se entrelaçam de forma inteligente e dinâmica fazendo o espectador se remoer e rever suas crenças, valores e opiniões que surgem durante a narrativa, através das atitudes das pessoas, nessa multifacetada discussão social.
Lígia (Leona Cavalli), mora e trabalha em um bar chamado Avenida, sua vida cotidiana se resume em acordar e já ir direto ao trabalho, todos os dias são iguais, até mesmo as reclamações. Sua relação com o próprio corpo não possui restrições, está sempre a mostra, celebra o corpo, mas o interdita a posse e não aceita as provocações feita por seus clientes do bar.
Isaac (Jonas Bloch) é um dinamarquês-brasileiro envolvido com o tráfico de drogas e está sempre a busca e negociando cadáveres para satisfazer um próprio fetiche, atirar em corpos em decomposição.
Kika (Dira Paes), uma evangélica que está sempre escondendo seu corpo e preocupada com comentários do próximo, acaba servindo de “chacota” para sua vizinhança, justamente por ser casada com um mulherengo que trabalha em um matadouro.
Wellington “O Kanibal” (Chico Diaz) é o marido mulherengo de Kika que trabalha no matadouro, possui uma amante para satisfazer seus desejos sexuais, relação que não possui com Kika.
Trabalhando e morando em um hotel, Dunga (Matheus Nachtergaele), é um homossexual, que deseja tanto no amor, quanto no sexo, o Kanibal. É capaz de fazer qualquer coisa para possuir mulherengo.
Esteticamente, o filme se apodera de uma linguagem visual que representa a relação social dos indivíduos criados a partir das possibilidades do mundo real. Amarelo Manga nos questiona se fazemos parte do mundo proposto, vivendo cada momento, mesmo que muito repugnante. Traição, religião, discussão de gênero, tudo se escancara frente à tela, como um tapa de mão cheia no rosto do espectador. Mesmo porque, o mais forte da obra está representado numa linguagem carnal, animal, sanguíneo seja qual for o sentido das suas significações. Personagens se inserem num círculo, numa dimensão, num cenário de desejo, que os tornam determinados a lutarem seja de qual forma for por sua ambição. Individualismo combativo marcado justamente pelo desejo, desejo da carne, do sangue, que serve de guia para a determinação. Personagens guiados pela paixão, que penetram, num plano de armadilhas e vinganças, de uma busca avassaladora pelo desejo e pela felicidade.
Amarelo Manga sempre se representa numa relação primitiva e individualista de cada personagem, através de uma filosofia trágica onde o homem transita como um animal degenerado que vaga sobre o pasto em direção a seu matadouro, com sua marca de sangue que o impede à felicidade e seu principal objetivo, o desejo.
O próprio diretor Cláudio Assis afirma: "quero fazer um cinema que mostre o povo, o seu lado mais marginal, o submundo. Não quero fazer filmes limpinhos nem filmar o sertão com gente bem vestida. O nosso povo não é assim".
Felizmente Amarelo Manga vem propondo ao cinema nacional, a característica da ideologia, a realidade e sua própria estética. Assim, os indivíduos são capazes de aprender, e até mesmo de entender e a aceitar a cultura, os costumes, as crenças,e que, a maldade, a contradição e a própria condição humana pode estar presente na vida de qualquer outro indivíduo que faça parte do universo.
Amarelo Manga, como foi dito é um filme difícil de se falar e de entender ou seja, de aceitar a própria realidade, que realmente vivemos na própria órbita de um amarelo manga, vivo e pulsante, quem sabe da cor do ouro, cor que reluzirá apenas no momento em que curarmos o amarelo das feridas purulentas, doentio e sarcástico.

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