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ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA

























Em um dia qualquer, em tal hora, em tal lugar, um homem no movimento de uma cidade grande aguarda o semáforo mudar para a cor verde, mas tal mudança não acontece, ele ficou cego.
Assim começa o magnífico livro “Ensaio sobre a cegueira” de José Saramago mais uma obra que seduz o cineasta Fernando Meirelles, que, sempre gostou de fazer adaptações literárias, grande diretor marcado por narrativas político-sociais que permeiam seu cinema, do divertido e engraçado “Domésticas”, o chocante e impactante “Cidade de Deus” e o primeiro “oscarizável” de suas obras, o fabuloso “O Jardineiro Fiel”. Assinado também por Don McKellar , a adaptação “Ensaio sobre a cegueira” busca representar mais uma discussão sobre o rumo de uma sociedade moderna e globalizada e o rumo que esta vem tomando. Este combate utópico mergulha em um mundo completamente atemporal e caótico, as placas dos carros são brasileiras, pessoas falam em inglês, o locutor de rádio em português. O espectador se depara com imagens de São Paulo, outras do Japão e até do Canadá, representados nesse novo mundo globalizado e pequeno, onde todos se conhecem e ao mesmo tempo distanciam-se da própria condição humana e aproximam-se do instinto básico animal.
“Ensaio sobre a cegueira” procura discutir o fato de que as pessoas antes de perderem a visão, já viviam completamente “cegas” perante o mundo em que vivem. Onde a cura para a tal “cegueira branca” só estaria na re- socialização da humanidade, no ato de reconhecer que dependemos dos outros e necessitamos enxergar o próximo. Para isso, é interessante a lógica que a narrativa busca retratar, assim como no livro, as pessoas não tem nome e são identificados apenas pelas profissões ou características mais marcantes, exemplos como “O médico”, “A mulher do médico” “O garoto estrábico”. E não é assim que definimos no nosso mundo as pessoas que nos cercam? As vezes de forma injusta e até pejorativa?
Meirelles conduz sua obra de forma inteligente, junto com seu elenco busca desenvolver com maestria os personagens criados por Saramago. Por exemplo a maravilhosa Juliane Moore, representa “A mulher do médico”, dona-de-casa entediada, com grande atuação Moore representa tal marasmo, com apenas um olhar distante e um simples gole de vinho, e ao longo da história “A mulher do médico” vai se tornando uma personagem mais complexa, ainda mais que ela vira peça fundamental não só da vida de seu marido como a de um grupo de pessoas. Assim como, Gael Garcia Bernal, “o Rei da Camarata 3” consegue se tornar asqueroso e cômico ao mesmo tempo, destaque para o momento em que imita o cantor Stevie Wonder.
O visual do filme também merece destaque. A direção de fotografia de César Charlone, investe numa câmera totalmente oscilante, planos que cortam os personagens e cenários pela metade. O ar de brancura e frieza existente em toda projeção colocando ou aproximando o espectador a própria “cegueira branca”.
“Ensaio sobre a cegueira” tem em todo seu aspecto fatores representativos, cenas que chocam e ao mesmo tempo nos comove pelo simples fato de estarmos inseridos no mesmo contexto do filme. Se estamos irritados pelo fato de que alguém atrapalha o seu filme por conversar, ou até mesmo alguém que passeia pelo cinema. De repente um estado de “cegueira branca” é necessária, se estamos em um mundo que nos coloca dependentes de qualquer um, não é cor, sexo, opção sexual ou condição social que nos afasta, é simplesmente a ignorância de um pano branco que paira sobre os olhos de uma sociedade que não quer ver que tolerância e amor é o melhor meio de seguirmos em frente, sempre juntos.

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