Featured

About this Blog

BEM VINDO A CIDADE DOS CACHORROS

0 comentários










Provando que é um diretor talentoso e criativo, ou quem sabe muito mais do que isso, Lars von Trier, depois de Dançando no Escuro realiza o brilhante e o fascinante de Dogville, no qual utiliza um recurso que não se afasta muito das limitações que havia determinado com o Dogma 95, apenas o uso de luz ambiente, a proibição do emprego de trilha sonora, entre outros oito pontos de proibições para técnica cinematográfica. E com Dogville, Lars von Trier resolveu ousar mais ainda e baniu quase todos os cenários do filme, caracterizando e representando a cidade de Dogville a uma série de traços no chão e poucos objetos de cena.
Situada durante a Grande Depressão Americana dos anos 30, a história gira em torno de Grace (Nicole Kidman), uma jovem que, depois de fugir de perigosos mafiosos, vai parar na minúscula Dogville, que possui pouco mais de uma dezena de residentes. Encantado com a moça, o introspectivo Tom (Paul Bettany) propõe que a cidade ofereça abrigo a Grace, que, em troca, faria pequenos serviços para seus moradores. Aos poucos, porém, os aparentemente pacatos habitantes de Dogville vão exibindo um lado sombrio e passam a explorar a garota, que, impedida de abandonar o lugar, se descobre em uma prisão capaz de lhe causar mais sofrimentos do que os próprios gângsters.
Dogville estranha pela imposição dos cenários atípicos. Sua ausência cria um novo estilo de se ver cinema, um cinema mais teatral de Lars von Trier, surgindo um novo recurso simplesmente genial, que afasta a própria cidade, os personagens e o espectador para um local isolado de tudo e realça o sentimento de isolamento, que bloqueia qualquer intervenção externa. Dogville assume uma vontade própria, que se recria na mente de cada espectador, Lars von Trier dá essa liberdade e anula sua influência sobre o filme.
Os segredos na cidade pequena de Dogville são impossíveis de ser guardados, porque todos os personagens estão sujeitos e vulneráveis pela maldade sutil existente em cada um. O objetivo principal do diretor é focalizar a total exposição dos personagens e com grande criatividade Lars von Trier não permite que vejamos o lado sombrio dos moradores daquela cidade e surpreende a audiência quando se deparam com as crueldades realizadas com Grace, identificando ao espectador de que até o ser humano mais inofensivo pode ter atitudes contraditórias e ameaçadoras.
A protagonista, Grace, é um exemplo completamente contraditório dos moradores da cidade, ingênua, acredita sempre na bondade das pessoas e se essas possuem atitudes sombrias, é justamente por causa do medo existente em cada um. O espectador pode até pensar que a atitude de Grace no final do filme é devido aos maltratos de Dogville, mas Grace não conter sua própria crueldade, não é fruto dos abusos, mas sim do desgosto de ver sua bondade e seu otimismo destruído por suas experiências. A irônica conclusão do filme é impiedosa, revela muito, mas não apenas sobre Grace e os moradores de Dogville, mas principalmente sobre o espectador e seu sentimento ao desfecho da obra.
Lars von Trier realmente nos mostra que somos seres contraditórios, hedonistas e insatisfeitos, as vezes pelo próprio medo, buscamos a melhor e a pior forma de satisfazer nossos desejos, independente de quem ou com quem que da mesma forma busca o incessante egoísmo do prazer. Somos o pior e o melhor ser humano existente no mundo. Para o mundo, somos o pior.

SEMPRE... AS HORAS.

0 comentários

“Encarar a vida pela frente... Sempre. Encarar a vida pela frente, e vê-la como ela é. Por fim entendê-la e amá-la pelo que ela é. E depois deixá-la seguir... Sempre os anos entre nós, sempre os anos... Sempre o amor. Sempre a razão. Sempre o tempo... Sempre... As horas.” Virginia Woolf.

Em 2002, o diretor Stephen Daldry realizou o denso e notável filme “As Horas”. Adaptação do premiado livro de Michael Cunningham, “As Horas” nos revela o retrato sofrido de três mulheres em diferentes épocas que, apesar de estarem em gerações diferentes, possuem características comuns em suas visões de mundo, assim como uma curiosa ligação com um livro: o romance “Sra. Dolloway” da escritora inglesa Virginia Woolf. O roteiro desta produção é assinado com grande sensibilidade por David Hare que inicia o enredo com Virginia Woolf (Nicole Kidman) em 1923, escrevendo sua obra literária “Sra. Dolloway”, enquanto tenta se acostumar na pequena cidade em que seu marido a obrigara morar para tratar dos graves problemas psicológicos durante o período em que residia em Londres. Paralelamente, em 1951 Laura Brown (Juliane Moore), perfeita mulher de família, lê a obra escrita por Virginia enquanto tenta lidar com o sofrimento da infelicidade de viver com seu filho de 5 anos e o marido. E em 2001 nos deparamos com a versão moderna da personagem de Woolf, Clarissa Vaughan (Meryl Streep) que prepara uma festa ao amigo Richard (Ed Harris) que, HIV positivo, está sendo homenageado pelo sucesso de seu livro.
Três mulheres que escondem o sofrimento e a dor de enfrentar um dia, o motivo, o roteiro procura não explicar ao espectador, mas não tem necessidade. “As Horas” se concentra na maneira que estas mulheres lidam com os sentimentos, sem compreender exatamente o que as aflige. Virginia é uma mulher contraditória que, luta e defende suas atitudes, mas ao mesmo tempo teme ser julgada pelos criados da casa.
Clarissa Vaughan é uma mulher inteligente que demonstra força e independência, mas revela-se uma mulher vulnerável, questiona sua própria vida pelo fato de estar vivendo com sua parceira e ao mesmo tempo doar-se ao amigo doente que procura demonstrar a Clarissa a necessária forma de não viver pelos outros.
Por outro lado, numa época dominada pela obsessão da “família perfeita americana”, Laura Brown precisa lidar com sua depressão para assumir o papel de mulher e dona de casa perfeita. Uma mulher que tem seus sonhos sufocados pela vida de aparências que assumiu, culpada pela ingratidão à família, demonstra seu carinho através de atitudes totalmente artificiais como o momento em que ela e o filho resolvem fazer um bolo para o pai para que assim amasse sua família.
Em seus aspectos técnicos “As Horas” é conduzido com maestria pela edição de Peter Boyle. Sensível e elegante é maravilhoso como as cenas das diferentes épocas se entrelaçam sem destoarem da fotografia proposta a cada geração. Também não dá para não falar da direção de fotografia de Seamus McGarvey que encanta o olhar do espectador em um anestésico e paradoxal sentimento que acalenta e adoece ao mesmo tempo, acompanhado pela bela e melancólica trilha sonora de Philip Glass.
Sensibilidade é o que define “As Horas”, seja pela atuação ou pela condução do filme. Assim como o livro, o filme cinematiza e interliga os sentimentos de mulheres que procuram encarar a vida pela frente e procuram entendê-la como ela é, independente amá-la. As horas sempre vão parecer intermináveis, mas é preciso enfrentá-las seja pelo tempo, amor ou razão.

UMA CIDADE CHEIA DE SONHOS

0 comentários

Sempre gostei de analisar a expressão das pessoas no cinema depois que um filme termina. As luzes se acendem e lá estão novos indivíduos que amaram ou odiaram a projeção passada, pensando se valia ou não a pena ter gastado dinheiro e passado duas horas sentado. É melhor também quando você pega um filme que procura fugir de todo o padrão hollywoodiano e comercial, quebra a narrativa tradicional e foge dos padrões acostumados pela massa. Esses geralmente são os mais detestados pelo público.
É por isso que sempre digo às pessoas não julgarem um filme a primeiro momento, se você não entender, duvide e assista ao filme novamente, sua percepção vai mudar. Acredito que aí está o bom cinema também, que o faz pensar, interpretar e o leva a visões completamente diferentes das que você já teve. Condenar aquilo que não entende é errado, antes de julgar aprenda a olhar e maravilhe-se, porque existem muitas pessoas querendo falar da vida, e quando se foge da tradicional forma de se contar historinhas, essa arte ganha um pouco mais de graça.
Para exemplificar um pouco disso, hoje indico a vocês Cidade dos Sonhos (Mulholland Drive) de David Lynch. Vocês já devem ter ouvido falar desse diretor, se não, pelo menos já assistiram alguma obra desse maravilhoso artista. David Lynch é o consagrado criador do seriado de sucesso Twin Peaks, que contava o mistério do assassinato de Laura Palmer. Também dirigiu outras obras primas como “Coração Selvagem” (Wild Hearts), “A Estrada Perdida” (Lost Highway) e o “O Diabo Veste Azul” (Blue Velvet) entre outras.
Voltando ao filme proposto, vamos falar de “Cidade dos Sonhos”. É um filme complexo, sim, mas não incompreensível. Muitas pessoas não tem percebido a magia criada por Lynch nessa obra, mesmo porque nos dias de hoje, a maior parte das produções cinematográficas não tem exigido muito de seus expectadores, tudo soa simples e auto-explicativo, os filmes pensam por nós e tudo explode com cenas espetaculares que enchem nossos olhos, anestesiando o poder crítico dos espectadores.

Roteirizado e dirigido pelo próprio Lynch, “Cidade dos Sonhos” é uma produção extraordinária e muito bem realizada, ou quem sabe apenas o que Lynch sempre desejou: cinema puro, baseado na manipulação sutil de som, imagem e atuação. O diretor consegue, contar uma história comovente, com uma estrutura narrativa totalmente entrelaçada e criativa.
Tudo começa como uma história comum. Uma mulher misteriosa (Laura Elena Harring) que acaba sendo vítima de um atentado enquanto anda de limousine na Mulholland Drive (nome de uma estrada em Hollywood), mas um acidente com um carro em alta velocidade a salva da morte. No entanto, ela não escapa de uma amnésia, e vai parar no apartamento da tia de Betty (Naomi Watts), uma aspirante à atriz, de quem fica amiga e, depois, amante. Paralelamente, se conta a história de Adam Keshner, diretor de cinema que se envolve com a máfia italiana ao ver que seu filme não sairá como quer, devido à escolha impositiva da máfia de escalar uma modelo desconhecida chamada Camilla Rhodes. Há também a história de um homem que vê monstros atrás de lanchonetes, de um Clube chamado “Silêncio”, de uma caixinha azul e uma chave misteriosa.
Como se trata de um trabalho de David Lynch a trama de Cidade dos Sonhos ao seu decorrer se torna complexa, e a forma que o diretor a desenvolve se torna mais ainda, porque utiliza diversos tipos de narrativa, inserindo cenas sem nexo, flashbacks, sonhos, delírios e até mesmo cenas fora de sua ordem cronológica que aparecem sem avisos, o que acaba brincando com a percepção do espectador, fazendo-o buscar suas próprias referências para a compreensão, ainda mais quando o filme chega aos seus vinte minutos finais, o espectador completamente se perde e precisa re-organizar sua mente para compreender o que realmente aconteceu, a trama muda totalmente de sentido.
“Cidade dos Sonhos” é um filme que não se deve deixar de assistir, por mais complexo que ele possa soar, é um perfeito exercício de lógica. Com certeza você vai encontrar uma experiência completamente diferente daquela que existe ao assistir filmes comuns. O que se é acostumado ver, acostumado se é compreender. Lynch teve noção disso e da melhor forma nos demonstra neste filme que é necessário sair do tradicional para que possamos compreender seja em nossa realidade, ou numa cidade cheia de sonhos.

VAMOS FALAR DE CINEMA

0 comentários
Quando se planeja escrever sobre algo que você tem paixão, pensa-se em organizar todo o turbilhão de idéias que isso lhe proporciona para não faltar nada e não ter que voltar atrás, buscar o esquecido e começar tudo novamente a partir de outra idéia. Também faz-se planos da melhor maneira de escrever, qual a melhor forma, qual delas oferece melhor compreensão, a mais resumida ou mais completa, afinal é sobre uma paixão que estamos falando, e esta no meu caso, é o cinema.
Começo este espaço com a pergunta “aonde quero chegar com esta paixão?” O cinema tem sido isso há muitos anos. Quando ingressei na faculdade de Publicidade e Propaganda em Foz do Iguaçu no ano 2000 me perguntei, se eu gostava tanto de cinema porque fazer uma faculdade de propaganda? Mesmo assim fiz. Ainda no início do curso tive a oportunidade de fazer uma atividade extracurricular em Direção de Cinema e lembro do cineasta Percy Tamplin dizendo: “Se você descobre que um filme é bom na primeira cena, acredite, você já é apaixonado pelo cinema.”
E ele disse isso não porque soa como regra de se descobrir bons filmes, mas sim porque ele sabia que em um mundo mágico como o cinema, independente de cenas, não precisa fazer muita coisa para te cativar.
Acreditando nisso virei cinéfilo de carteirinha e esse mundo cinematográfico representaria toda suposta realidade da minha vida e a cada cena “lavaria” o meu olhar para encontrar nos filmes suas diferentes realidades. E essa força que o cinema tem em nossas vidas passa por cima daquilo que procuramos para concordar ou contrapor nossas idéias. É como por exemplo conversar com uma pessoa conhecida, um amigo ou familiar. O cinema passa pelas veias invisíveis do cotidiano, e continua no nosso inconsciente preenchendo o reflexo e a representação que temos da realidade.
Compreender a vida sempre teve sua forma crua de realidade e o cinema veio para anestesiar todos esses sentimentos. Já somos acostumados a encher os olhos com as produções hollywoodianas e acreditar inconscientemente nos personagens destas produções, pessoas frias e esquizofrênicas. Os franceses dos anos 70, descolados, intelectuais e sexualmente liberais ou os asiáticos que gritavam em forma de poesia sua cultura, crenças e valores. Cada um tem o cinema a representação de sua realidade.
Também temos como exemplo as frases e os personagens que citamos e copiamos no nosso cotidiano, seja propositalmente ou até mesmo sem querer. Ou então, nas situações que acontecem em nossa vida e concluímos que tudo passou na nossa frente como um “filme” ou que tal situação era “cena de um cinema”. É a projeção do que somos e do que queremos ser, afinal nosso comportamento, nossa realidade precisa estar baseada em alguma coisa, ainda mais quando ela é cinematográfica.
Ao finalizar minha Pós- graduação em cinema em Curitiba descobri que todo tipo de cinema é bom, seja ele entretenimento, documental ou independente, cada um representa uma realidade de alguma forma. No meu caso aprecio mais uma obra que outra quando esta se expressa de forma diferente, fora do comum. Essa é minha realidade e, creio, de muitos amantes da sétima arte. Um filme que foge dos clichês precisa sua atenção especial, pois de comum já basta o cotidiano.
Para escrever sobre essa paixão, reúno todas as cenas, frases, personagens, realidades, não apenas a que quero representadas, mas todas. Filmes, bons ou não, que circulam no turbilhão das minhas idéias. Sendo assim, se precisar voltar ao inicio, e acredito ser necessário, buscarei o esquecido para traçar um novo caminho. Quero convidá-los a me acompanhar para compartilharmos esse turbilhão de idéias e vidas que o cinema nos proporciona. Não prometo chegarmos a uma verdade. Afinal nossa realidade muda a cada dia e como o cinema é reflexo disso tudo, entender essa dinâmica é necessário.